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domingo, 3 de outubro de 2010

O elogio ao óbvio ululante (por Alberto Carlos Almeida)


As grandes verdades tendem a ser bastante simples. Na economia há a lei da oferta e da procura. Quando o preço de um produto ou serviço é muito elevado, a quantidade procurada é bem pequena. Baixe-se o preço do produto e a procura aumenta. A lei da gravidade em suas duas versões, newtoniana e de Einstein, explica uma enorme quantidade de movimentos baseada em um esquema analítico simples. A teoria da evolução de Darwin também é assim, poucas variáveis explicam a grande diversidade de plantas, animais e espécies.

Na opinião pública há também essas verdades simples. Uma delas é a que afirma que os eleitores que aprovam um governo tendem a votar no candidato do governo. Alguns criticam essa afirmação. César Maia é um deles, dizendo que se trata de uma obviedade. Não é obviedade, é simplicidade mesmo. Eu diria que as verdades simples deixam apavoradas as pessoas que se acham geniais e brilhantes. O seu suposto brilhantismo não tolera explicações simplórias. Porém, acreditar na contradição entre genialidade e simplicidade é um erro crasso. Eis que nada é mais simples do que a teoria da evoluçãoDarwin, justamente o que fez dele um cientista genial.

César Maia defendeu, durante todo o ano de 2009 e no início de 2010, o argumento complexo e mirabolante de que Lula não seria capaz de transferir votos para Dilma. Vale aqui citar alguns trechos do ex-blog de César Maia, de abril de 2010, que ilustra bem a análise que ele assina acerca da incapacidade de transferência de votos de Lula para Dilma: "Em fevereiro do 2009 fiz uma análise do personagem Dilma Rousseff lembrando que a transferência de votos entre políticos de personagens diferentes é muito difícil. No caso de Lula e Dilma, trata-se de personagens antípodas. Aliás, o personagem Dilma - séria, tecnocrática, vertical, inflexível - foi criado pelo próprio Lula pós-mensalão. Lula, do ponto de vista da psicologia social, é um personagem feminino, próximo, amigo, acarinhável, vitimizável. Dilma é um personagem, do ponto de vista da psicologia social, masculino, distante, vertical. Talvez Patrus fosse um personagem com perfil mais próximo a Lula. Agora é tarde, Inês é morta".

Ler esse texto hoje, quando Dilma ostenta uma vantagem sobre Serra de praticamente 30 pontos percentuais nos votos válidos, podendo até mesmo ganhar no primeiro turno, trata-se de um exercício próximo de patético. O seu autor certamente achava que estava elaborando um raciocínio superinteligente, brilhante, genial. A realidade foi mais dura e simples. O eleitorado que avalia o governo como ótimo ou bom, ao tomar conhecimento de que Dilma era a candidata governista, decidiu passar a votar nela. Esse processo de aumento de conhecimento do candidato governista se acelerou e se massificou com o início o horário eleitoral gratuito. Todas as elucubrações supostamente brilhantes foram massacradas pela realidade, foram atropeladas por um rolo compressor denominado conversão de avaliação positiva do governo em votos para o candidato governista.

César Maia, em todo o período eleitoral, apelou para termos e metáforas impressionantes tais como: luta de espadachins, jogo de xadrez, jogo go e também "jogo de coordenação", segundo ele mesmo uma expressão que significa processo de distribuição de informações e de troca de opiniões entre as pessoas até que a intenção de voto se transforme em decisão de voto. Tantas metáforas, tantos termos não usuais para nada. O que realmente aconteceu é que à medida que o eleitorado tomou conhecimento de que Dilma era a candidata do governo ele passou a votar em Dilma. Como a maioria aprova o governo, a maioria decidiu, no decorrer do último ano, abandonar o Serra e passar a votar em Dilma.

Os dados mostram que em janeiro de 2009, em segundo turno, Serra tinha 63% de votos de quem avaliava Lula como ótimo e bom. Essa proporção veio caindo desde então, atingiu 43% em maio de 2009, ficou estabilizado daí até dezembro, período no qual Dilma se retirou para tratar do câncer, e continuou caindo em seguida para 31% em maio de 2010 e somente 21% em agosto. Dilma conheceu trajetória oposta à de Serra. Em janeiro de 2009 ela tinha somente 15% de quem avaliava o governo Lula como sendo ótimo ou bom. Ela subiu para 39% em maio de 2009, ficou estabilizada em quase 50% no primeiro semestre de 2010 e subiu de forma espetacular depois que começou a propaganda na TV convertendo em votos 70% do ótimo e bom de Lula. Óbvio e ululante.

Não é de hoje que essa regra simples rege a política e a opinião pública brasileira. Em 1996 os bem avaliados César Maia e Paulo Maluf elegeram seus candidatos para sucedê-los no Rio e em São Paulo, respectivamente Conde e Celso Pitta. Marconi Perillo governou Goiás por oito anos. Foi eleito a primeira vez em 1998 e foi reeleito em 2002. Como não podia disputar uma nova reeleição em 2006, ele indicou, apoiou e fez campanha para Alcides Rodrigues, que acabou vencendo. Perillo estava muito bem avaliado ao final de seu período de oito anos. Verdade simples: o eleitor de Goiás votou no candidato do governo bem avaliado.

Com uma antecedência de quatro anos o mesmo aconteceu no Pará. Almir Gabriel foi eleito duas vezes consecutivas, em 1994 e 1998. Em 2002 ele indicou Simão Jatene para sucedê-lo. Mais uma vez o governo bem avaliado foi capaz de fazer o seu candidato vencer. Ninguém hoje sabe dizer se Perillo era um personagem próximo, amigo e feminino, ou se Alcides era vertical, distante e inflexível. O que se sabe é que Perillo tinha em 2006 um governo bem avaliado e o seu candidato era Alcides Rodrigues, isso é suficientemente simples para entender o desfecho daquela eleição.

Pela mesma regra é possível fazer algumas previsões para 2010: o bem avaliado Aécio Neves tenderá a eleger Antônio Anastasia para o governo de Minas, o bem avaliado Blairo Maggi fará o mesmo no Mato Grosso com seu candidato, Silval Barbosa. Com pouco, avaliação de governo, explica-se muito: a maioria das vitórias e derrotas.

O erro de César Maia encontra paralelo no erro de Carlos Augusto Montenegro, diretor do Ibope, ao afirmar de maneira categórica em agosto de 2009 que Lula não faria seu sucessor. Naquele mês Serra liderava com folga as pesquisas de intenção de voto. Nesse caso, Montenegro disse com certeza que Serra venceria e Dilma perderia. Dez meses mais tarde, no começo de junho de 2010, o mesmo Montenegro afirmou que tanto Serra quanto Dilma poderiam vencer a eleição, e que isso aconteceria no primeiro turno. Poucos dias antes dessa declaração no evento do Grupo de Líderes Empresariais (Lide) fora publicada uma pesquisa do Ibope na qual Serra e Dilma estavam empatados com 37% cada um. Mais uma vez a declaração de Montenegro repetiu o dado da intenção de voto. Agora com o agravante de que a vitória ou de um ou de outro seria no primeiro turno.

Como Marina tinha 8% das intenções de voto, ele estava dizendo que qualquer um iria abrir uma vantagem de mais de 8 pontos percentuais sobre o outro. É como se o serviço de meteorologia dissesse que amanhã poderá fazer mais ou menos 10° C, dependendo para que lado sopre o vento. Tempos depois, quando Dilma abriu uma larga margem sobre Serra, a previsão de Montenegro se tornou "vitória de Dilma no primeiro turno". Mais uma vez a previsão apenas refletiu o resultado da pesquisa.

O erro mais grave de Montenegro, porém, diz respeito ao PT. Na mesma entrevista de agosto de 2009, o renomado analista afirmou o seguinte: "O mensalão acabou [com] todo o apelo que o PT havia acumulado em sua história. Ali acabou o diferencial. Ali acabou o charme. Todas as suas lideranças foram destruídas. Estrelas como José Dirceu, Luiz Gushiken e Antônio Palocci se apagaram. Eu não diria que o partido está extinto, mas está caminhando para isso". O PT sairá das urnas mais forte do que nunca. Elegerá o presidente e provavelmente a maior bancada de deputados federais, aumentará de maneira expressiva o número de seus senadores e entre manter e conquistar ficará, talvez, com cinco governos estaduais, dentre os quais Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal. Outro erro crasso de Montenegro.

O erro maior não advém da análise equivocada das pesquisas, mas da ignorância acerca da história: o PT é um típico partido social-democrata europeu. Assim, ele veio para ficar, com ou sem mensalão. O PT nasceu radical e obrista e foi se moderando à medida que foi crescendo. Essa trajetória é idêntica ao SPD alemão fundado em 1875, ao Partido Socialista Operário Espanhol fundado em 1879, ao Partido Trabalhista britânico fundado em 1898 e também aos socialistas franceses e ex-comunistas italianos. O PT tem pouco mais de 30 anos de existência. Caminha, obviamente, para ser tão longevo quanto o SPD, o PSOE ou o Labour Party.

César Maia provavelmente continuará sem mandato. Não conseguirá nem mesmo ser eleito para a segunda vaga de senador pelo Rio. Esse resultado seria difícil de prever tomando-se o estilo analítico do próprio César Maia, recorrendo-se a coisas como jogo de coordenação ou luta de espadachins. Porém, analisando-se a avaliação dele ao sair da prefeitura do Rio em 2008, somente 23% de ótimo e bom, seria fácil prever o atual desfecho da eleição para o Senado. O povo do Rio não lhe premiaria com o Senado em razão do péssimo desempenho que teve no seu último mandato de prefeito.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: menos Imposto, mais Consumo".

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