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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sinais de fumaça e planos para segunda-feira, por Raymundo Costa do "Valor Econômico"


Enquanto a campanha de Dilma Rousseff (PT) já dispõe de um roteiro para seguir a partir de segunda-feira, no PSDB a visão do dia seguinte às eleições oscila entre o racional e a fé. Analisando as pesquisas, os tucanos julgam ver sinais de que a decisão pode ficar para o segundo turno, hipótese em que alguns fatores poderiam se tornar mais favoráveis a José Serra que atualmente e quem sabe levá-lo a reverter, numa disputa polarizada, o atual favoritismo da candidata petista.

Ao contrário do que se costumava dizer em eleições passadas, o PSDB agora não acha que o segundo turno é uma nova eleição. Nada disso. É a continuação do primeiro. Seria, portanto, a comprovação do acerto da estratégia seguida até agora. Estratégia essa que é reprovada pelos políticos e sustentada pelo pessoal do marketing. O que mudaria para Serra seria a expectativa de arrecadação, que no momento justifica uma campanha acanhada e de pouca visibilidade nas ruas, e a possibilidade do debate direto com Dilma e tempos iguais na propaganda de rádio e televisão.

Os tucanos ficaram bem impressionados com o desempenho de José Serra no debate do último domingo, na TV Record. Se não houve um vencedor declarado, pelo menos desta vez, atacado pelos demais, ele teve a oportunidade de falar mais detalhadamente sobre sua biografia política, o que já fez e o que pretende fazer na vida pública. Isso reforçou no PSDB a crença da superioridade presumida de Serra sobre Dilma nos debates, como afirmavam os tucanos quando seu candidato ainda ocupava o primeiro lugar nas pesquisas.

O debate da Record, ainda entre os tucanos, também foi considerado positivo para Serra porque Dilma teve de falar sobre corrupção durante boa parte de suas intervenções. Respondendo a Marina Silva (PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL). Serra não iria fazer perguntas a Dilma, mas devido as regras do debate teve de questionar obrigatoriamente a candidata do PT. Uma vez. A pergunta que tinha preparado era justamente sobre as denúncias de tráfico de influência na Casa Civil, mas o assunto já fora abordado antes e o tucano preferiu falar sobre outro de seus temas preferidos, as agências reguladoras.

Esses são alguns dos sinais que os tucanos veem indicando fogo ou querem ver nos astros, nem tão distraídos quanto posam. Mas também é fato que há fumaça nas pesquisas. Sondagens de candidatos feitas ontem em Salvador (BA), uma espécie de capital do lulismo do Nordeste, registraram que Marina pode alcançar os 25% dos votos da capital baiana, já bem à frente de Serra - mas a soma dos dois ainda não basta para superar Dilma. O significativo é o provável bom desempenho da candidata verde numa capital lulista por excelência.

Há sinais favoráveis ao PSDB e ao PV no Sul e no Norte, a petista continua bem na região Centro-Oeste e o Nordeste se mantém como a grande fortaleza petista, apesar do registro também de uma pequena oscilação negativa da candidata. Mas o mapa político que começa a ser desenhado é o de um Brasil mais multifacetado, diferente da divisão bicolor de 2006, quando o Sul e o Sudeste, na eleição presidencial, foram coloridos de azul e a outra banda do pais, de vermelho.

No campanha de Dilma e no Palácio do Planalto as oscilações são acompanhadas também com atenção. Ninguém esquece o que ocorreu na campanha da reeleição de Lula, em 2006 - as projeções, com base nas pesquisas, indicavam uma vitória de Lula, no primeiro turno, com uma diferença de praticamente 14 milhões de votos. Abertas as urnas, ela foi de cerca de 6,7 milhões de votos, mais ou menos a metade do que estava previsto. O presidente teve de disputar um segundo turno.

Ganhou fácil, assim como ganhou de José Serra na eleição de 2002. A rigor, a campanha de Dilma Rousseff avalia que a oscilação ocorre dentro da margem de erro, e que no segmento formado por eleitores que ganham até dois salários mínimos (o forte da candidata) não ocorreu mudança alguma. Todo o cuidado é para levar a campanha até domingo sem erros. O crescimento de Marina Silva é acompanhado, mas não é visto como um risco à vitória de Dilma Rousseff. Ela já poderia se considerar a primeira mulher presidente (ou presidenta, como diz a própria candidata) da República Federativa do Brasil.

Na realidade, até os próximos passos de Dilma, a partir do dia 3, já estão sendo planejados pelo comitê eleitoral da candidata. De saída, ela pretende descansar alguns dias. A reta final da campanha tem sido cansativa para a ex-ministra de Lula, como era visível no debate da Record, no domingo.

Descansada, a candidata deve participar do segundo turno das eleições nos Estados, para apoiar candidatos do PT e de partidos aliados que ainda estiverem na disputa. Uma lista a ser selecionada a dedo, depois de apurados os votos para governador.

Os petistas consideram que a transição de governo pode ser feita com mais calma, uma vez que se tratará da montagem de um governo de continuidade. Além disso, já existe um grupo trabalhando para a transição, independentemente de quem for o candidato vencedor no domingo. Ou seja, haveria mais tempo para Dilma pensar na escalação do ministério com menos atropelos do que o presidente Lula teve em 2002.

Na época, como se recorda, o PMDB chegou a ser convidado a participar do governo; ficou de fora à última hora. Hoje, o PMDB faz parte da chapa vencedora, tem o candidato a vice-presidente da República e terá peças importantes no próximo governo, se Dilma efetivamente for eleita. Talvez não tão importantes quanto imagina, porque antes mesmo de ganhar a eleição o PT já discute se os pemedebistas devem permanecer com os mesmos ministérios que detêm atualmente.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Peripécias do Câmbio Valorizado (Luiz Gonzaga Belluzo)


O real se valoriza sobranceiro diante do dólar e de outras moedas. A moeda americana dobra os joelhos diante da moeda brasileira sob o peso das injeções de liquidez inoculadas pelo Federal Reserve e, escoltada pela prodigalidade dos déficits fiscais engendrados pelo Tesouro americano. Inquietos com os minguados "yields" de Tio Sam e desaçaimados em sua incessante busca de rendimentos, os gestores de portfólios globais, entre crispações e redemoinhos, cuidam de rearranjar suas carteiras. Encontram farto repasto na apetitosa arbitragem com o coupon cambial administrado pelos senhores da finança nativa.

Num ritual farsesco, renova-se, em sua caducidade tediosa, a discussão sobre a efetividade (ou inefetividade) das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio. A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina indefectivelmente com a vitória da turma da bufunfa, aqueles que se refestelam na arbitragem financeira e engordam seus cabedais sob o patrocínio das vacilações, medos e inconsistências do governo. Com essas e outras, as exportação de manufaturados se debilita rapidamente e as importações predatórias inundam o mercado brasileiro. É primário argumentar que os críticos do câmbio são favoráveis ao "fechamento" da economia e buscam comprometer sua eficiência com a redução das importações, indispensáveis, sim, para sustentar um crescimento saudável com baixa inflação.

Neste momento a história é outra: a decadência das exportações vai dos têxteis aos calçados, dos automóveis aos ônibus da internacionalizada Marco Polo, para finalmente culminar na degradação das vendas externas de máquinas e equipamentos da nossa indústria de bens de capital. A derrocada exportadora faz parceria com a invasão das importações de produtos manufaturados, prenhes de incentivos e subsídios oferecidos generosamente por chineses e outros competidores espertos.

Os chineses sofreram de forma aguda os efeitos da desaceleração global. Mas graças a estratégias eficazes, não só crescem acima da média mundial, como ainda sustentam alentados superávits comerciais, fomentados por políticas tributárias e creditícias agressivas de estímulo às exportações. Desde janeiro de 2009, o governo chinês ampliou os "tax rebates" para mais de 500 produtos manufaturados. O yuan praticamente não se moveu nos últimos doze meses, protegido pelas intervenções do Peoples Bank of China que não só compra agressivamente divisas como interfere duramente nas posições compradas e vendidas em moeda estrangeira dos bancos chineses.

Eles colhem altas taxas de investimento na indústria e na infraestrutura e rápida escalada no gradiente do horizonte tecnológico. No caso da China, a política de defesa do yuan e a oferta ilimitada de mão de obra barata se juntam para esfolar o que resta das indústrias intensivas em mão de obra nos concorrentes incautos e desavisados da periferia.

A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina com a vitória da turma da bufunfa
Já observei em outra ocasião que, na China, o aumento da participação das exportações de manufaturas foi acompanhado por um aumento correspondente na geração do valor agregado manufatureiro mundial Isso tem uma implicação importante: o valor das exportações se elevou com a maior integração da economia ao comércio internacional e induziu o crescimento da renda interna. Neste caso, pode-se concluir que houve um "adensamento" das cadeias manufatureiras domésticas que permitiram a apropriação do aumento das exportações pelo circuito doméstico de geração de renda e de emprego.

Na América Latina, inclusive no México a história foi outra. O México diferentemente do Brasil e da Argentina, aumentou bastante sua participação relativa nas exportações mundiais. Mas, caiu a sua parte na formação do valor agregado manufatureiro global exprimindo a desarticulação das cadeias produtivas depois da assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta.

A trajetória de Brasil e Argentina mostra que a integração das economias foi mal concebida e isso determinou não só a desindustrialização relativa, mas também na perda de posição no ranking do valor agregado manufatureiro.

A teologia do saber convencional só revelará suas nefastas consequências daqui a algum tempo. Parece óbvio que os mercados financeiros globalizados, restaurados sua confiança pela intervenção munificente dos Estados nacionais, cuidam de patrocinar uma festa que pode terminar em ressaca, transformando a economia urbano-industrial brasileira em um espectro de si mesma. Os economistas do mercado voltaram às páginas dos jornais e das revistas para garantir que o déficit em conta corrente, a despeito de sua evolução para a casa dos 4% a 5% do PIB, é financiável. Nos anos 90, esse foi o mantra dos defensores do câmbio valorizado.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente neste espaço.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A Guerra do Peloponeso e o Jornalismo de Aluguel


Tucídides, que viveu nas últmas décadas do século V AC pode ser considerado, depois de Homero, o escritor de influência mais fecunda na cultura ocidental. Sua mais notável obra foi a "Guerra do Peloponeso", em que relata esse memorável evento político-militar que, pela primeira vez, opôs duas das maiores cidades-estados gregas (Atenas e Esparta) e cujo defecho deflagrou o apagar do chamado "fogo grego" depois do declínio ateniense na região.
A obra de Tucídides é até hoje referência nas academias militares estadunidenses e nos mais renomados cursos de diplomacia, em razão de ter sido a primeira a descrever um conflito cujas características incorporam os principais elementos que marcam os conflitos modernos: a disputa pela hegemonia geopolítica entre Estados, a constituição de blocos de alianças, a criação de instâncias de articulação política e a formulação de estratégias militares consagradas.
O evento ganhou projeções históricas pelo fato de que seu desfecho permitiu a Estados governados a "manu militari", a moda de Esparta, estabelecerem-se como modelos de organização política de eficácia, depois reproduzidos na forma de ditaduras e aparatos militarizados pelos tempos afora. A possiblidade de variantes de Estados totalitários que se abriu à história, a partir daí, só não se revelou mais nociva à disseminação de sociedades democráticas em razão da posterior sucesso dos vencedores espartanos (em aliança com os derrotados atenienses)em esmagarem as tropas Persas na batalha de Salamina. Vitória essa que, caso não ocorresse, exporia a civilização ocidental a antecipada decadência no cuso da trajetória que a levou da Roma antiga à Washington contemporânea.
Tucídides conferiu ele mesmo à obra caráter irrevogável de obra "mais importante já escrita" em seu gênero, sustentando que o critério que orientou sua redação consistiu no relato isento dos fatos, sem a tomada de posições pessoais ou julgamentos de valor, pelo que lhe reinvidicava o significado de primeira narrativa histórica.
Assim tomada, a obra tornou-se referencial a uma ética de escrita não facciosa depois apropriada pelo jornalismo moderno como atributo distintivo do texto jornalístico.
Chamada pelo escritor de "patrimônio perene da humanidade", a obra foi apresentada como sendo guiada pelo propósito de servir aos homens, no sentido de que pudessem antecipar-lhes eventos de igual potencial destrutivo.
É contra essa mística da obra, depositária de segredos da arte da política e da guerra, que o renomado historiador Donald Kagan da Universidade de Yale investe ao demonstrar que "A Guerra do Peloponeso" teve por finalidade primeira justificar erros cometidos pelo próprio "pai da democracia ateniense", Péricles, na condução dos assuntos de Estado e na salvaguarda dos interesses da pólis que liderava e cuja derrota trouxe por consequência não só a derrocada da liga de Delphos, centro daquela experiência democrática primeva, como também da hegemonia grega no mundo antigo.
Sem arranhar os méritos e o reconhecimento devido ao grande historiador grego, Kagan mostra como detrás da política que engendrara a guerra havia ainda outra, urdida pelo "stablishment" de que fazia parte Tucídides, a fim de que a figura de Péricles viesse ser preservada e com ela os interesses do esquema de poder que o sustentava, no qual Tucídides tivera papel destacado como instrutor militar e conselheiro do mandatário.
Kagan revela a forma pela qual a obra funcionou como uma espécie de "salva-faces" de proporções históricas, inaugurando uma prática de registro documental posteriormente apropriado pela imprensa escrita com a finalidade veícular visões de mundo e construções discursivas aptas a reprodução do status quo.
O livro foi publicado em 2006 no Brasil pela Editora Record. Sua leitura vale a pena pela oportunidade que oferece de reflexão sobre a insustentável leveza do relato lavrado pela pena do jornalismo, em tempo nos quais falar-se em isenção do texto soa brincadeira.